quinta-feira, 23 de outubro de 2014

DESCONSTRUINDO O TSE?



Não entendo por que “desconstruir” virou palavrão. Passaram a confundir “desconstruir” com “golpe baixo” ou “anti-política”, o que não é verdade. E o ministro Toffoli, presidente do TSE, ainda vem dizer que o conteúdo dos programas eleitorais deve ser somente "propositivo", ou programático. Na mesma linha, o ministro Tarcisio Vieira suspendeu trecho da campanha de Dilma na televisão que dizia que o adversário, Aécio Neves, construiu um aeroporto no terreno da família na cidade mineira de Cláudio. Por quê? “A Corte entendeu que, mesmo dispondo os candidatos, no segundo turno, de tempos rigorosamente iguais no horário eleitoral gratuito (simetria), o espaço disponibilizado no rádio e na TV deve ser utilizado de maneira propositiva. Ou seja, não pode ser desvirtuado para a realização de críticas destrutivas da imagem pessoal do candidato adversário, nem é justo que o ofendido tenha de utilizar o seu próprio tempo para se defender de ataques pessoais em prejuízo de um autêntico e benfazejo debate político. Em suma: o espaço é público e deve ser utilizado no mais lídimo interesse público, não soando legítima, doravante, sua apropriação desmesurada”. Continuo chocado com essa decisão, descolada da realidade política. Primeiro, se ele era governador, mas (hipoteticamente) beneficiou-se pessoalmente com a questão do aeroporto, o problema não é pessoal, é político. Por que não divulgar, não tratar da questão no horário eleitoral? Foi a ação de um ex-governador (que agora é candidato a presidente) que até agora não parece estar esclarecida. Então por que não trazer à tona essa questão, de interesse público e que pode determinar uma escolha importante para o país? Provavelmente (não vi), houve igualmente peças na campanha de Aécio que não eram programáticas, mas que não feriam a lei.
Na Resolução N° 23.404 do TSE (que dispõe sobre propaganda eleitoral e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas Eleições de 2014 e que teve como relator o mesmo ministro Dias Toffoli) está escrito no Art. 14: “Não será tolerada propaganda, respondendo o infrator pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder (Código Eleitoral, arts. 222, 237 e 243, 1 a IX, Lei n° 5.700171 e Lei Complementar n° 64190, art. 22), (...) IX – que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. Claro, nada mais justo. Isso não pode e quem fizer isso tem que pagar pelo que fez. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Marketing é uma guerra de percepções, seja no âmbito político, pessoal, comercial, profissional, o que for. Na campanha eleitoral, cada candidato procura expor suas próprias características positivas para poder conquistar uma percepção positiva na mente do eleitor. Como ninguém é absolutamente perfeito, é claro que ele oculta o que pode causar má percepção. A tarefa de expor o que é negativo cabe ao adversário – o que é absolutamente saudável em uma democracia. A escolha que o eleitor faz baseia-se no confronto entre as percepções (positivas e negativas) que ele constrói, por isso ele tem que ter acesso a tudo politicamente importante para a definição do seu voto. A questão, portanto, não é “desconstruir ou não-desconstruir” – a questão é “como desconstruir”. Caso seja mal feita, a desconstrução pode se voltar contra o autor. Em 98, por exemplo, Cesar Maia tentou desconstruir a imagem de Garotinho associando-o ao que seria uma “desordem brizolista”. Acontece que a campanha do Garotinho tinha sido feita sem as marcas clássicas dos candidatos de Brizola. Isso dificultou a associação que Cesar Maia pretendia. A campanha de Cesar Maia ficou pesada, negativa – e ele só teve a perder com a sua “desconstrução”. Em certo momento da campanha, Garotinho perguntou a Brizola se gostaria de aparecer no programa. Ele, sabiamente (em todos os sentidos), recusou, dizendo: “Em time que está ganhando não se mexe”. Além disso, a campanha de Garotinho soube desconstruir. A partir da frase atribuída a Cesar Maia de que usaria água e creolina para afastar os mendigos das calçadas do Rio, foram feitas pequenas entrevistas com moradores de rua declarando que preferiam o Garotinho, porque “tem candidato que não gosta de pobre” (algo assim).
É assim que funciona o jogo democrático. Construções e desconstruções, uma guerra de percepções com regras transparentes, sem precisar “caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. Se alguém pisa na bola no seu trabalho de desconstrução, o maior castigo é a perda do tempo na TV ou - pior ainda - perda da confiança do eleitor. Essa decisão do TSE de transformar o horário eleitoral gratuito no carcomido formato de retrato 3x4 é a desconstrução da democracia. Talvez seja o caso do TSE reconstruir-se...