quinta-feira, 14 de março de 2013

A igreja Católica em busca da vida eterna


Não há dúvida alguma, a escolha do papa argentino foi uma questão de ou tudo ou nada. Já que a vida eterna celestial não é garantida para ninguém, a igreja Católica Romana procura garantir sua vida eterna aqui no planeta Terra. Mas isso tem ficado cada vez mais difícil e os católicos têm perdido terreno por toda parte. Como estão em queda vertiginosa na Europa, fizeram uma jogada básica de marketing: recuperar suas energias a partir do ponto onde estão mais fortes, a América Latina. Contra o novo papa, pesa a história de apoio à ditadura argentina, o que poderá minar todo o esforço católico. Mas a acusação por enquanto mostra-se polêmica. Leonado Boff, um católico respeitável e progressista, ficou entusiasmado, considera que, com Francisco, "o povo vem antes da hierarquia", e que podem-se recuperar princípios do Concílio Vaticano. Vamos acompanhar. Enquanto isso, temos essa entrevista que ele deu a Fernando Molica (com Carlos Brito e Luisa Bustamante), publicada hoje no Informe do Dia:

ENTREVISTA
PUNIDO PELO VATICANO EM 1985, o teólogo e ex-frade franciscano Leonardo Boff não escondeu seu entusiasmo com a escolha do novo Papa e com sua decisão de passar a se chamar Francisco. Para ele, a escolha representou "um programa de governo". Na terça, Boff acertara o nome do futuro Papa: ao apostar na escolha do franciscano americano Seán Patrick 0'Malley, Boff escreveu, no Twitter, que ele adotaria o nome de Francisco. O brasileiro era contra a eleição de Dom Odilo Scherer, que, para ele, seria um Bento 16 "com menos luzes".
INFORME: Como o sr. avalia a escolha do novo Papa?
BOFF: Este é o Papa de que a Igreja precisava. Isto fica claro na escolha do seu nome: trata-se de um jesuíta com alma franciscana. O nome Francisco é um programa de governo. O novo Papa nasce com a inspiração franciscana de simplicidade, ética, solidariedade com os pobres, amor à natureza e liberdade de criação. Na primeira visão que teve, Francisco de Assis ouviu de Jesus o apelo para que reconstruísse a Igreja. São Francisco viu que a Igreja deveria voltar-se para o Evangelho, para os leigos. Este foi seu projeto de reconstrução. Ele era um leigo, nunca foi padre. Foi obrigado, no fim da vida, a aceitar o título de diácono, mas exigiu não receber qualquer salário. Além do mais, pregava em italiano, não em latim. Ou seja, era voltado para a comunidade.
INFORME: Que pontos chamaram sua atenção neste primeiro pronunciamento do Papa Francisco?
BOFF: Ele falou em caridade. Isso sempre foi uma luta nossa, dos teólogos: o primado da caridade sobre o direito canônico. Ele pediu pela fraternidade, colocou o povo no centro ao pedir que a multidão o abençoasse. Assim, ele recuperou o princípio do Concilio Vaticano 2º (assembleia que, entre 1961 e 1965, promoveu uma série de mudanças na Igreja). O novo Papa deixou claro que o povo vem antes da hierarquia. Ele certamente vai mudar o atual modelo de Igreja, absolutista, monárquico. Apostará no ecumenismo, no diálogo com as diferentes igrejas.
INFORME: Qual a importância da eleição do primeiro Papa latino-americano?
BOFF: Pela primeira vez temos um Papa do Terceiro Mundo, onde vivem 60% dos cristãos, isto é um fato inédito e muito importante. Francisco vem de uma experiência pastoral, não é um espelho de Roma, ele tem autonomia, tem capacidade de falar para o centro do poder da Igreja. Ele certamente vai propor uma profunda reforma da instituição. Em 2007, o cardeal Bergoglio foi um dos principais autores do documento final de Aparecida (Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino- Americano e Caribenho, que contou com a presença do papa Bento 16). Trata-se de um documento que fala na necessidade de uma nova evangelização. Como todos os jesuítas, trata-se de um homem muito bem preparado e que tem um sentido pastoral muito grande. Ele, como bispo, também aprovou a adoção de uma criança por um casal gay.
INFORME: O sr. acha que ele terá condições de dialogar com o mundo moderno?
BOFF: Certamente. Não será um Papa doutrinador, mas um Papa pastor, capaz de entender a vida do povo, problemas como a pobreza, o desemprego, a crise por que passam tantos países, as questões ecológicas. O centro não é a Igreja, mas a humanidade.
INFORME: No livro 'El Silencio' o argentino Horacio Verbitsky diz que o então bispo Jorge Bergoglio colaborou com a ditadura argentina. Lá, a Igreja Católica chegou a ajudar na prisão de dois padres. Como o sr. vê esta acusação?
BOFF: Não tenho detalhes da situação da ditadura. Mas conheço argentinos que negam que ele tenha tido qualquer tipo de colaboração com os militares. Sei que há uma certa tensão entre o novo Papa e os Kirchner (a atual presidenta, Cristina, e seu antecessor, Néstor, que morreu em 2010). O cardeal Bergoglio sequer foi convidado para presidir a cerimônia religiosa que marcou o início do mandato da atual presidenta.