domingo, 29 de janeiro de 2012

Alô, mídia, vê se não atrapalha com essa história da Yoani Sánchez!

Não sei do que a nossa grande imprensa gosta mais, se é de bater em Lula e Dilma ou de bater em Cuba. Por isso gostei de ver esse artigo publicado hoje, na Folha, de Julia Sweig. Ela nasceu em Chicago e é uma estudiosa de América Latina. É diretora do programa de América Latina e do Programa Brasil do Council on Foreign Relations. É autora de "Inside the Cuban Revolution" e "Cuba: What Everyone Needs to Know". É PhD da Universidade Johns Hopkins University (Escola de Estudos Internacionais Avançados), entre outras coisas.

Na ilha, não é o blog de Yoani Sánchez que merece atenção
Julia Sweig

Uma confissão: a viagem da presidente Dilma a Cuba me faz sentir "inveja de política externa". Como historiadora e analista política que vem viajando à ilha e escrevendo sobre ela há 25 anos, já teci fantasias sobre ter a oportunidade de assistir a meu próprio presidente fazer uma viagem dessas.
Mas, nos EUA, a ideia de que eleitores e financiadores de campanhas cubano-americanos puniriam um presidente que fosse longe demais nos leva a ignorar as transformações monumentais, embora lentamente implementadas, advindas sob Raúl. Perda nossa, ganho do Brasil.
Quando primeiro decidi escrever uma coluna sobre a viagem de Dilma a Cuba, imaginei que eu falaria sobre o teor das reformas econômicas, sociais e políticas -empresas privadas, acúmulo de capital e produtividade agora são coisas patrióticas, e não contrarrevolucionárias- abrangidas no eufemismo governamental sobre "atualização do socialismo cubano".
Mas, quando uma jornalista de uma séria agência de notícias internacional me telefonou para falar sobre a visita, ela me surpreendeu ao apresentá-la, como a imprensa brasileira vem fazendo, como um teste da política de direitos humanos de Dilma.
Após um ano na Presidência, Dilma vem lentamente, e com alguns desvios incômodos, assinalando a intenção de fazer dos direitos humanos uma parte de sua agenda nacional e internacional.
Em Cuba, porém, não são o blog de Yoani Sánchez nem a comparação autoelogiosa e historicamente falsa que ela traçou com Dilma na juventude que merecem atenção ou são medidas de avanço dos direitos humanos.
Os tuítes dela não se comparam às críticas aguçadas e profundamente focadas ao governo que podem ser encontradas, por exemplo, em nada menos que o site da Arquidiocese de Havana, www.espaciolaical.org.
Ali, uma gama inusitada e ideologicamente diversificada de vozes critica o governo, a burocracia e o Partido Comunista por sua opressão desumanizadora dos cidadãos cubanos. As críticas não medem palavras, mas sua intenção é serem construtivas, e não histriônicas -escritas no espírito de uma oposição leal, nacionalista.
A Igreja Católica não é a única outra voz ativa no país, mas sua voz, e a de numerosos outros acadêmicos, figuras culturais e jornalistas, torna obrigatório perguntar "o que significa a dissidência na Cuba de Raúl? E qual seria a melhor maneira de potências externas apoiarem o movimento em Cuba em direção a uma sociedade e economia abertas?".
O "diálogo político" que o ministro Patriota e a presidente Dilma pretendem realizar com Cuba, além da geração de empregos (o porto de Mariel) e os primeiros passos em direção ao aumento do comércio e dos investimentos, tem muito mais chances de reforçar transformações positivas do que se poderia conseguir brincando de favorito com este ou aquele "dissidente".
Nos EUA já tivemos mais de um século de experiência tentando e não conseguindo identificar vencedores na política interna cubana.
Se não posso ter meu presidente em Havana, permita-me a liberdade de oferecer uma sugestão não solicitada a Dilma: falar com Raúl sobre opções para a imprensa brasileira abrir sucursais em Havana em tempo para a viagem do papa Bento 16, em março.
A cobertura das transformações na ilha e das vozes que fazem parte dela só poderá ajudar a vocês e seu público, no momento em que o Brasil se abre para Cuba e Cuba se abre para o Brasil. E talvez também ajudar Washington a ver Cuba além de sua política doméstica.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Republicanos: prévias imprevisíveis


Os Republicanos estão mais perdidos do que mórmon monogâmico. Pensavam que o seu pré-candidato à presidência em 2012, Mitt Romney, ia dar um passeio na primária (caucus) de Iowa – mas foi Rick Santorum, correndo por fora, em uma campanha baseada no tostão contra o milhão, quem venceu. E ainda foi pior: durante dias, Romney teve que conviver com a humilhação de ter vencido por apenas 8 votos, mas, com a recontagem, a humilhação foi maior – ele perdeu por 34 (ou algo assim). Vieram as primárias de New Hampshire, terreno de Mitt Romney, e ele fez o feijão com arroz, vencendo dentro do esperado. No terceiro estado, South Carolina, tudo levava a crer que, apesar de pesquisas inconclusivas apontando vitória de Gingrich, Romney faria barba, cabelo e bigode, e sairia consagrado como candidato oficial do Partido Republicano. Venceu Gingrich. Agora começam as primárias da Flórida, com muito mais eleitores, e mais uma vez Romney aparece como provável vitorioso. Será? Qual dos três chegará à segunda vitória: o conservador católico (Santorum), o conservador protestante (Gingrich) ou o liberal (!) mórmon (Romney)? Talvez não tenha a menor importância. Seja quem for o vitorioso, ele já começa derrotado. O imbróglio Republicano é tão grande que dificilmente terá capacidade de motivar o seu eleitorado. Enquanto isso, Obama posa de Mickey, canta soul, ameaça os aiatolás e reduz o desemprego. Não dá pra saber que vencerá as prévias Republicanas, mas o resultado final, em novembro, está cada vez mais previsível.

A preocupação das potências ocidentais não é mais com a esquerda, é com o capitalismo de estado

(clique nas imagens para ampliar)

O liberalismo econômico, como conhecíamos, vive seus estertores. E podemos dizer que a concordata do Lehmann Brothers, em setembro de 2008, equivale, para os liberais, ao que significou a queda do muro de Berlim para as esquerdas. No mínimo, os dois acontecimentos estão intimamente ligados. Com a Queda do Muro (1989), o liberalismo, que tinha ganhado fôlego com Reagan e Thatcher, radicalizou. O laissez-faire tornou-se o Pai nosso de cada dia. A dissolução da União Soviética passou a ser a garantia de que a política de descontrole total é que estava certa e que representava a evolução da humanidade. Mas os “Ninjas” (No Income, No Job, no Assets – crédito concedido a tomadores que não podiam comprovar renda, nem emprego, nem a propriedade de ativos) deram um golpe mortal nessa pretensão. De 2008 para cá testemunhamos, meio incrédulos, as potências ocidentais em desespero, quase rastejando, tentando entregar os dedos para salvar os anéis. Enquanto isso, os chamados países emergentes, para quem todos torciam o nariz, tornam-se protagonistas da nova economia mundial. “The era of free-market triumphalism has come to a juddering halt, and the crisis that destroyed Lehman Brothers in 2008 is now engulfing much of the rich world”, diz The Economist em sua matéria de capa da semana passada. Pior: o Fraser Institute, canadense, que tem medido a “liberdade econômica” (!!!) nos últimos quarenta anos e que tinha visto o seu índice subir implacavelmente de 5,5 (de 0 a 10) em 1980 para 6,7 em 2007, a partir de 2008 viu tudo andar pra trás. Pior ainda: ganhou força entre os “emergentes” o capitalismo de estado, que funde os poderes do estado com os poderes do capitalismo.
The crisis of liberal capitalism has been rendered more serious by the rise of a potent alternative: state capitalism, which tries to meld the powers of the state with the powers of capitalism. It depends on government to pick winners and promote economic growth. But it also uses capitalist tools such as listing state-owned companies on the stockmarket and embracing globalisation. Elements of state capitalism have been seen in the past, for example in the rise of Japan in the 1950s and even of Germany in the 1870s, but never before has it operated on such a scale and with such sophisticated tools.
O capitalismo de estado, argumentam, representa um esforço significativo sobre seus predecessores em vários aspectos: está se desenvolvendo em escala maior, mais rapidamente e com instrumentos mais sofisticados.
Obviamente, a reportagem procura lançar senões sobre os novos rumos do mundo fora das garras das potências ocidentais. Levanta dúvidas sobre a capacidade de renovação e de correção de erros, e alerta que o “capitalismo de estado é atormentado pelo nepotismo e pela corrupção” – como se nada disso acontecesse no chamado “primeiro mundo”. Mas a reportagem lembra que a ascensão do capitalismo de estado está derrubando algumas “verdades” sobre os efeitos da globalização. Por exemplo, Kenichi Ohmae tinha dito que a nação-estado tinha acabado. Thomas Friedman argumentava que os governos teriam que usar a camisa de força dourada de disciplina do mercado. Naomi Klein apontava que as maiores companhias são maiores do que muitos países. E Francis Fukuyama declarou que a história tinha acabado com o triunfo do capitalismo democrático. O fato é que a “fórmula” do liberalismo econômico fracassou completamente e seus defensores têm motivos de sobra para se preocuparem com esse mundo que avança livre de sua tutela. Acima de tudo porque, olhando para a crise americana, para o caos europeu e para as trapalhadas do grande capital financeiro, podemos dizer que as esquerdas sempre estiveram mais perto de uma proposta de mundo melhor, onde o estado pode de fato ser o protagonista na condução harmonizada de políticas econômicas e sociais. Evidentemente, estamos longe de viver o melhor dos mundos. Mas já é um alívio saber que nos distanciamos da truculência do liberalismo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Financiamento de campanha nos Estados Unidos é o melhor incentivo para adotarmos o financiamento público de campanha


O Globo de hoje traz uma excelente reportagem sobre financiamentos privados de campanha. A correspondente Fernanda Godoy escreve (“O nonsense do financiamento eleitoral nos EUA”) sobre os Super PAC (Comitês de Ações Política), “os maiores financiadores da campanha deste ano, com estimativas bilionárias”. Segundo a reportagem, os Super PACs estão viabilizando “anúncios com pouco controle e muita negatividade”. Os Super PACs “não têm limites para receber doações, ao contrário do que ocorre com candidatos e partidos, que só podem aceitar contribuições individuais de até US$ 2.500.”
Para Hedrick Smith, ex-chefe da sucursal do “New York Times” em Washington, autor do clássico “Powergame: how Washington works” (O jogo do poder: como Washington funciona), vencedor do prêmio Pulitzer, “o dinheiro dos PACs tem um efeito enorme na campanha e nas políticas públicas”. Diz ele:
— Esses doadores usam dinheiro para comprar acesso ao Congresso e à Casa Branca. Eles não compram votos porque seria crime, mas exercem uma influência tremenda. E agora os Super PACs multiplicam esse efeito.
“Power game” relata a criação dos PACs nos anos 70, como um veículo para canalizar doações de sindicatos, e a expansão de sua influência nos anos 80.
— A partir do momento em que a FEC (Comissão para Eleições Federais) autorizou as doações de corporações, os portões foram arrombados. Nas eleições de 2010 (para o Congresso) as doações de corporações para o Partido Republicano foram de US$ 1 bilhão; as dos sindicatos para o Partido Democrata somaram US$ 10 milhões - disse.
O Center for Responsive Politics também denuncia “a falta de transparência dos Super PACs, que só emitirão o primeiro relatório das doações recebidas no dia 31 de janeiro, quando as primárias já poderão estar decididas”.
Aqui no Brasil, o financiamento público através do Horário Eleitoral Gratuito é muito bom, mas é insuficiente. É preciso que o financiamento público seja total, sem um único centavo de financiamento privado. Evita manipulções e sai bem mais barato para os cofres públicos. Acrescente-se a isso o voto unicamente em partidos, onde ficará mais fácil a identificação do eleitor com a proposta política que melhor vai representá-lo. Isso seria uma verdadeira aula de democracia à chamada “maior democracia”.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Romney perdeu feio em Iowa


Mitt, o mórmon pré-candidato do Partido Republicano, precisava vencer muito bem na primária de Iowa, ontem, porque sairia praticamente indicado depois da vitória que promete ser retumbante na próxima terça, em New Hampshire. Ganhou apenas por 8 votos (99,5% da apuração) do segundo colocado, Rick Santorum, que disparou na reta final. Resultado dos três primeiros: Romney 30.015, Santorum 30.007 e Paul 26.219. Romney venceu em apenas 16 dos 99 municípios, contra 65 de Santorum, 16 de Paul e 2 de Perry (Santorum e Ron empataram em primeiro em um deles). Santorum, que venceu na capital, gastou apenas 3% do total gasto em TV, enquanto Romney gastou 28%, Paul 16% e Perry 47%! Dificilmente Romney conservará os delegados que ganhou ontem (são 28 no total, e nenhum é obrigado a seguir a orientação das urnas) na convenção estadual de 10 de março. Rick Santorum é o Republicano do momento.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Iowa: Republicanos à beira de um ataque de nervos

(clique para ampliar quadro de pesquisas do Real Clear Politics)

Hoje os Republicanos fazem sua primeira eleição primária para saber quem vai ser derrotado por Obama em novembro. As pesquisas mostram um empate técnico entre Mitt Romney, o ex-governador de Massachussets que é mórmon, e Ron Paul, o coroa (76 anos) que é representante do Texas no Congresso. Correndo por fora vem Rick Santorum, o ex-senador pela Filadélfia (derrotado na última eleição) que virou comentarista da Fox News. Mitt Romney parece ter leve vantagem entre os eleitores Republicanos de Iowa, mas o sistema de dois turnos dos caucuses e a grande vantagem que ele tem na primária de New Hampshire, na próxima terça, pode prejudicá-lo (mesmo considerando que no momento é ele que teria mais chances de derrotar Obama). Se Mitt Romney vencer as duas seguidas pode se tornar imbatível. Por isso, os eleitores dos candidatos que ficarem fora do segundo turno podem investir em Ron Paul. Isso é só o começo do calvário dos Republicanos.