segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crise árabe: um deserto de ideias


O que me parecia quase impossível tornou-se possível rapidamente. Mubarak saiu – o que fez reduzir a pressão na Praça Tahrir. Ainda não dá para prever exatamente o que vai acontecer no Egito, muito menos no resto do mundo árabe revolto. Estão todos sem saber o que dizer ou fazer e eu diria que o pessoal da Hillary consegue estar mais perdido do que o Blog do Gadelha. Isso vale também para a Europa, China, Israel, Irã e até para a Liga Árabe. Certo faz o Itamaraty que mal abre a boca, prefere olhar pro outro lado. Talvez o único que aparentemente não tem dúvidas sobre o que falar é Kadafi, que resolveu responder com chumbo. “Vocês querem briga? Então toma!”
Mas a Líbia é outra história. Formou-se através dos séculos a partir de ocupações estrangeiras. O nome é de origem grega, e também foi assentamento de fenícios, romanos e turcos. Foi povoada por tribos de nômades berberes e fez parte do Império Otomano. Em 1911, virou conquista da Itália, que usou e abusou do seu território durante a Segunda Guerra. Com a paz, o território foi colocado sob administração franco-britânica. Em 1951, tornou-se a segunda colônia africana, depois da África do Sul, a obter a “independência”, com a monarquia constitucional do Rei Idris I, líder do grupo religioso Senousi. O novo país, então entre os mais pobres do mundo, passou a depender da ajuda financeira dos EUA e da Inglaterra, que instalaram bases militares em  seu território. A descoberta do petróleo ocorreu no final dos anos 50 e, já em 1959, todas as principais empresas petrolíferas atuavam no país. Em 1968, a Líbia era o segundo maior produtor de petróleo no mundo árabe, atrás apenas da Arábia Saudita. Quando Kadafi tomou o poder em 1969, a Líbia tinha algo como 98% de analfabetos e uns 90% da população vivendo em tendas. O dinheiro do petróleo foi amplamente usado para conquistas sociais. Hoje (ano 2000), o analfabetismo está em 20,2%. Seu Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (índice de 2010: 0,755) é considerado alto, ocupa o 53º lugar, à frente de países como Arábia Saudita (55%), Rússia (65%), Brasil (73%), Egito (101%), África do Sul (110%) ou Índia (119%). O povo é fundamentalmente muçulmano (sunitas, 97%) e o controle político de Kadafi é quase absoluto. Os Estados Unidos em outras épocas certamente estariam jogando tudo para derrubar Kadafi, mas hoje não devem estar tão certos de que isso seria bom para seus interesses. Se a guerra civil se ampliar e Kadafi cair, provavelmente nada mais terá controle. O deserto não vai virar mar, mas o mar pode virar deserto.