domingo, 3 de fevereiro de 2008

O "jornalismo do mau tempo" está ficando sem assunto

Aqueles colunistas "analistas" que escrevem com uma nuvem carregada sobre a cabeça não sabem mais o que fazer. Nunca mais li por aí a defesa da ALCA. Também não tenho lido acusações de que o Brasil tem uma economia muito fechada. E ninguém mais apareceu para afirmar que o justo seria não considerar o Brasil como parte dos BRICs - que se limitaria a RICs, Rússia, Índia e China. Que será que aconteceu com esses "profetas do apocalipse"? A resposta é simples: os argumentos deles eram apenas argumentos oposicionistas, sem base alguma. Essa entrevista com com Jim O'Neill (economista inglês que criou o termo "BRICs") feita por Luciana Rodrigues para o jornal O Globo deve funcionar como verdadeira trovoada na mente perturbada desses "analistas". Veja:
O Brasil é o melhor dos Brics. Em meio à crise dos EUA, pai da sigla destaca confiança de investidores no país. O economista britânico Jim O’Neill ficou famoso por ser o criador da célebre expressão Brics — sigla que resume o crescente poder dos grandes países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China. Chefe de Pesquisas Econômicas Globais do Goldman Sachs, O’Neill está relativamente otimista com a crise nos Estados Unidos e acredita que, para surpresa dos mercados, a economia americana poderá evitar a recessão. Ele é ainda mais otimista em relação ao Brasil. Apesar de reconhecer que o país poderá ser afetado pelo desaquecimento global no seu comércio exterior, já que é grande exportador de commodities, O’Neill garante que, em meio à crise dos EUA, o Brasil é o melhor dos Brics para investir. Em entrevista por telefone ao GLOBO, de seu escritório em Londres, ele alerta que a vitória de um candidato democrata nas eleições americanas pode aumentar o protecionismo comercial nos Estados Unidos, principalmente se o eleito para a Casa Branca for o senador Barack Obama. E critica a rigidez de fóruns multilaterais como FMI e G-7 por não incorporarem os grandes emergentes: “Os Brics respondem por 15% do PIB mundial”. (Luciana Rodrigues) O GLOBO: O senhor acredita que os EUA já estão em recessão ou estão em vias de entrar numa recessão? JIM O’NEILL: Estão perto. Mas há alguns aspectos mais complexos desta crise que precisam ser levados em conta. O comportamento dos mercados desde o outono (no Hemisfério Norte, primavera no Brasil) mostra que muitos analistas estão presumindo que os Estados Unidos já estão em recessão ou que inevitavelmente viverão uma recessão. Uma das possíveis surpresas porém é que talvez a economia americana não entre em recessão. Houve cortes de juros pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano). Na última semana, o presidente (George W. Bush) apresentou um pacote de grande estímulo fiscal. Sem isso, o risco de uma recessão seria muito grande. Mas o Fed e o governo perceberam os sinais de recessão e responderam de forma bastante agressiva. Com o Fed cortando os juros duas vezes nas últimas semanas e as medidas fiscais, tivemos um dos maiores pacotes de estímulos econômicos na História moderna americana. O GLOBO: Então os Brics não devem sofrer grande impacto? O’NEILL: Mesmo que evitem uma recessão, os Estados Unidos entrarão num período de crescimento muito fraco. No que diz respeito aos Brics, nos últimos dois anos, em que a economia americana perdeu vigor, eu acredito que os Brics lidaram com isso razoavelmente bem. Nas últimas semanas, porém, há sinais de que a China está sendo bem sucedida em reduzir seu ciclo econômico. Então, a China provavelmente vai sair de 11,5% (taxa de crescimento registrada no ano passado), para algo abaixo de 10%. Talvez até para 8% (em termos anuais) no primeiro semestre deste ano. Isso acontecendo, no mesmo período em que os EUA também estarão crescendo pouco, tornará o chamado decoupling (“descolamento”) mais difícil. Muito do crescimento global nos últimos anos tem sido dominado pelos Estados Unidos e, principalmente, pela China. O GLOBO: Esse desaquecimento da China já é reflexo da crise nos EUA? O’NEILL: Sim, mas apenas parcialmente. Na China, cerca de 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de todos os bens e serviços p roduzidos no país) são exportações para os Estados Unidos. Há evidências, sobretudo no último mês, que as exportações para os Estados Unidos caíram dramaticamente. Então, parte do desaquecimento chinês é efeito da crise americana. Mas há também a preocupação da China com a inflação. As autoridades chinesas começaram a restringir o crédito de forma agressiva. Assim, pelo lado doméstico, está havendo um arrefecimento, particularmente no que diz respeito aos investimentos e ao boom que houve no mercado imobiliário em certas partes da China. O GLOBO: Com o desaquecimento simultâneo de Estados Unidos e China, qual será o efeito sobre os outros países dos Brics? Qual deles pode sofrer mais e quem está mais blindado? O’NEILL: Há diferenças entre os Brics. O crescimento da Índia tem sido puxado pela demanda doméstica e por um consumo interno muito forte. Então, de alguma forma, será mais fácil para a Índia se isolar. Enquanto isso, o Brasil e, evidentemente, a Rússia são grandes exportadores de commodities. Assim, por esse ângulo, será mais difícil para esses países. Mas as semelhanças entre Brasil e Rússia param por aí. Em muitos aspectos, o Brasil é o melhor dos Brics para se estar neste momento. No ano passado, quando estive em São Paulo, muitos me perguntavam por que havia incluído o “B” nos Brics, argumentando que o Brasil não deveria estar no grupo. Agora, a minha impressão é que a estabilidade da inflação está trazendo muita confiança. Vemos o início da construção de uma forte sociedade de consumo, há mais confiança em relação aos investimentos. Mesmo que um desaquecimento na China e uma recessão nos Estados Unidos sejam um desafio para o Brasil em termos de comércio exterior, eu acredito que a economia brasileira está numa posição muito mais forte do que estava há apenas dois anos. O GLOBO: O Brasil, tradicionalmente, cresce num ritmo muito mais lento do que os demais dos Brics. Mesmo assim, o senhor acredita que o Brasil é o melhor do grupo? O’NEILL: O Brasil está prestes a ver sua tendência de crescimento sair dos 3% para algo entre 4% e 6%, graças à estabilidade da inflação e a um aumento da confiança no Brasil. Recebo muitas visitas de São Paulo aqui em Londres. Esta semana mesmo veio um grupo. E hoje há uma visão muito mais positiva do que apenas dois anos atrás. É completamente diferente. O GLOBO: Essa confiança não pode ser abalada por um ambiente global desfavorável? O’NEILL: Não, porque esta confiança está sendo impulsionada pelo cenário doméstico. A demanda interna está acelerando. O Brasil está numa posição cada vez mais confortável para lidar com ameaças externas. O GLOBO:  A corrida eleitoral nos Estados Unidos poderá influenciar o comportamento dos mercados? O’NEILL: As eleições ainda estão tão distantes que não vão influenciar os mercados. Mas as turbulências econômicas podem levar a mais viradas de opinião nos candidatos do que ocorreria em outras situações. E, no ano que vem, se a economia americana ainda estiver fraca e se os democratas vencerem, especialmente se for Obama (o senador Barack Obama), há um risco de haver mais protecionismo e mais aversão à globalização. Isso será muito ruim para todos os Brics, pois o que permitiu o desenvolvimento dos Brics foi a globalização. É um risco, mas para depois das eleições. O GLOBO:  Esse risco é particularmente mais forte com Obama? O’NEILL: O risco é maior com os democratas do que com os republicanos. Obama tem adotado o discurso mais protecionista. Porém, suspeito que muito do que o candidato fala tem sentido mais eleitoreiro e, se Obama ganhar, ele deverá adotar posturas mais razoáveis. O GLOBO: O governo brasileiro tem argumentado que as recentes turbulências nos mercados mundiais reforçam a necessidade de abertura comercial. O GLOBO: Há espaço, neste momento, para avançar nas negociações comer ciais? O’NEILL: Será difícil ganhar a atenção dos Estados Unidos que, neste momento, se dedicam exclusivamente a seus problemas domésticos. A Rodada de Doha (de abertura multilateral, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a OMC) é evidentemente importante. Mas agora isso não está no radar do G-7, que está mais preocupado com a crise global de crédito. O GLOBO: O Brasil também tem pedido mais voz aos países emergentes em fóruns multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). É um pleito justo? O’NEILL: Sim, concordo plenamente. É ridículo que o G-7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo) e o FMI não tenham mudado ainda. O Brasil está certo, merece fazer parte disso. Eu diria também que o G-20 (grupo formado por grandes países emergentes) está, de várias formas, tomando parte da importância que o G-7 tinha no passado. É muito decepcionante que uma burocracia herdada do passado torne a mudança tão lenta. Se olharmos para o mundo hoje, os Brics respondem por 15% do PIB mundial. É metade do tamanho dos Estados Unidos. A China está prestes a ultrapassar a Alemanha (em tamanho do PIB). É incrivelmente idiota que os Brics não sejam parte disso (dos fóruns multilaterais). Está muito claro para mim que os Brics, incluindo o Brasil, deveriam ser trazidos para o centro das decisões mundiais.