domingo, 10 de fevereiro de 2008

Eleição americana: 0 x 0

Está sendo um fim de semana de horror para os até agora líderes nas disputas pela indicação para a eleição presidencial americana deste ano. No lado Republicano, McCain, com indicação praticamente assegurada (já tem 60% dos delegados necessários para a indicação), tem que continuar medindo forças com Huckabee - que todos achavam completamente fora do páreo. Acontece que Huckabee resolveu demonstrar que ele, sim - e não Romney -, é o verdadeiro nome conservador. Mais que isso, acaba de vencer o líder McCain na Louisiana e Kansas e perdeu por pouco em Washington. Isso significa muito mais trabalho e negociação para McCain. No lado Democrata, as coisas ficaram bem complicadas para Hillary. Ela acaba de perder em três estados e nas Ilhas Virgens e já está bem atrás de Obama no número de delegados eleitos (ela tem cerca de 30 delegados a menos). É verdade que ela compensa com os superdelegados, o que lhe dá a dianteira de 1.100 a 1.039 no total de delegados. Isso pode levar a uma situação problemática na convenção do Partido Democrata: o "ronco da rua" (expressão de Elio Gaspari na sua coluna de hoje) indicando um nome e a máquina partidária querendo outro. Nesse caso, qualquer que fosse a decisão final seria arriscada. Mas, com certeza, nadar contra a maré será pior. Nota: boa a matéria de Marilia Martins para o Globo de hoje sobre o papel da imprensa na cobertura das prévias ("Benevolente com Obama, crítica com Hillary"). Ela fala de "uma diferença fundamental entre a opinião oficial dos órgãos de comunicação e o trabalho de seus repórteres". Ela não fala, mas é bem provável que os repórteres tenham sido contaminados pelo fervor das ruas. Veja parte da matéria:
Benevolente com Obama, crítica com Hillary Imprensa dos EUA parece ter preferências na disputa democrata, mas até repórteres divergem de editores.
Para quem torce a mídia? Barack Obama tem uma resposta: “Hillary Clinton, a candidata preferida do establishment.” É verdade que nas coberturas de Fox News e CNN, o noticiário costumava se referir a Obama como “o desafiante”. Foi assim também que ele apareceu na capa da “Time”. Mas, para estudiosos que observam e estudam órgãos de comunicação nos EUA, a resposta não é tão simples assim. É o que pensa Mark Miller, professor do Departamento de Comunicações da New York University, e autor do livro “Fooled Again: The Real Case for Electoral Reform”.
— A situação é complicada.
Por um lado, a mídia entronizou Barack Obama, tratando-o sempre como um Deus, raramente apontando suas fraquezas, suas evasivas ou mesmo minimizando suas ambíguas conexões.
Tem havido uma forte tendência a destacar o poderoso efeito emocional que Obama exerce sobre seus eleitores e simpatizantes enquanto que o tratamento dado a Hillary é bem mais duro, às vezes até cínico, como quando ela chorou emocionada com a pergunta de uma eleitora em New Hampshire e muitos tentaram mostrar que usava as próprias lágrimas como estratégia — diz Miller.
Ele aponta, porém, uma diferença fundamental entre a opinião oficial dos órgãos de comunicação e o trabalho de seus repórteres. O “New York Times”, por exemplo, manifestou apoio a Hillary em editorial enquanto um de seus concorrentes, “The New York Sun”, preferiu Obama, assim como o “Chicago Tribune”. E, mesmo apoiando Obama, o “Chicago Tribune” vem publicando matérias investigativas sobre as relações do candidato com um dos doadores de sua campanha, o empresário Tony Rezko, que responde na Justiça a acusações de fraude e de lavagem de dinheiro. Segundo Miller, para os acionistas das grandes corporações de mídia não há grande diferença entre Obama e Hillary no que se refere à plataforma. Mas há sim maior simpatia por Obama, sobretudo na grande imprensa, e isto se deve a outra razão: — Repórteres e produtores de TV têm muito medo de parecerem racistas — diz. A maior simpatia por Obama, no entanto, não pode ser por demais explícita e, por isto, Miller acha que Hillary também teve alguns dos episódios negativos de sua campanha minimizados pela mídia, o que rendeu dividendos eleitorais a seu favor.
— Hillary teve alguns escândalos abafados. O casal Clinton apoiou e incentivou uma série de artimanhas, algumas judiciais, para reduzir o comparecimento dos eleitores ao caucus em Nevada. As artimanhas foram tão evidentes que Obama chegou a denunciá-las. Mas, outra vez, a mídia logo abafou o caso, depois da vitória de Hillary no estado. Isto mostra que, para a direção editorial dos órgãos de mídia, é indiferente que Obama ou Hillary sejam indicados pelo Partido Democrata. A maioria, aliás, define esta competição como “eletrizante” e já transformou as prévias num espetáculo nacional — avalia Miller.
Outro especialista em estudos de mídia da New York University, Charlton McIlwain, concorda que a mídia vem tentando equilibrar as atenções entre os democratas, especialmente quando tematiza a disputa entre “gênero e raça”. McIlwain, que é negro, acredita, porém, que Obama tem recebido mais atenção pelo fato de ser o primeiro negro a ter chances reais de ganhar a indicação do partido: — Não há preferência explícita por um candidato. As pautas têm, inclusive, explorado muito bem esta disputa entre “a primeira mulher presidente” e “o primeiro negro presidente”.